O que acontece quando juntamos cerca de 100 jovens de 18 a 35 anos, de diferentes partes do mundo, para uma semana de diálogo, convivência e reflexão? Eis o que encontramos: mudanças, conexões e comprometimentos.
Esta foi a experiência que a Economia de Comunhão (edc) viveu em terras brasileiras, entre os dias 20 e 26 de julho de 2025, no Centro de Eventos Mariápolis Ginetta, localizado em Vargem Grande Paulista (SP). O evento carregou o nome de Escola Internacional de Economia de Comunhão e teve como objetivo apresentar a Cultura edc, oferecer ferramentas e criar conexões verdadeiras entre a juventude que busca caminhar na direção de um mundo mais justo, regenerativo e fraterno.
O impacto do diálogo e da ação com propósito
Durante uma semana, os jovens vivenciaram uma experiência internacional e puderam escutar depoimentos em coreano, português, espanhol, inglês e francês, de pessoas empreendedoras, da Academia, da saúde, ribeirinhos, de origem indígena latino-americana e aprenderam com elas o que significa viver a Cultura da Economia de Comunhão.
Sum Lim (conhecida como Sole), por exemplo, é a terceira geração da sua família à frente da padaria Sungsimdang, localizada na Coreia do Sul. Ela subiu ao palco para compartilhar os diferentes caminhos que encontrou para viver a Cultura edc: com mais sustentabilidade e proximidade com a sua comunidade.

Um dos desafios que Sole enfrenta na padaria é o excesso de lixo, em especial como reciclar as 3 toneladas de caixas de leite que utilizam mensalmente. Desse desafio, encontraram um caminho: transformar as caixas de leite em algo útil…papel higiênico! Hoje, a equipe da padaria está mais habituada à limpeza das caixas para a reciclagem e consegue inserir a comunidade neste ciclo verde. Como? Os moradores podem levar suas próprias caixas usadas e trocá-las por papel higiênico.
Juan Esteban Belderrain é cientista político da Argentina e compartilhou um panorama do trabalho que realiza na Tríplice Fronteira. O argentino narrou uma experiência que viveu com uma comunidade indígena Tikuna, onde pôde entender na prática como nós, muitas vezes, escolhemos um caminho de abundância financeira, em detrimento da saúde da Terra.

Ele contou que foram visitar a comunidade e, de lá, partiram para o terreno onde plantavam seus alimentos para consumo próprio. Depois de mais de 1h de caminhada, chegaram ao local e se depararam com uma plantação rica e diversa, diferente das plantações tradicionais. De lá, cada família pegava o suficiente para subsistência e também os convidados levaram suprimentos para a casa.
Ele então virou para o cacique e perguntou: por que vocês não vendem os alimentos para fora e retiram recursos financeiros disso? A resposta foi simples: para vendermos, precisaríamos trabalhar mais, e trabalhar mais significaria passar menos tempo com a nossa família e extrair mais da terra, que nos dá o que precisamos.
“As crises que enfrentamos hoje pelo crescimento das desigualdades e das mudanças climáticas são crises próprias de um sistema que tem deteriorado fundamentalmente os vínculos entre as pessoas e entre as pessoas e a natureza. E a proposta central da Economia de Comunhão é justamente a reconstrução dos vínculos, da relacionalidade das pessoas, para entender que o pleno desenvolvimento humano passa pela reconstrução dos vínculos entre o ser humano e a natureza”, destacou Juan Esteban para a edc Brasil.
Quando conectamos oportunidades e vulnerabilidades
Um ponto alto da programação foram as visitas aos projetos sociais da Sociedade Movimento dos Focolari (SMF), localizados nas proximidades da Mariápolis Ginetta, uma associação sem fins lucrativos que atua com a missão de promover o fortalecimento comunitário e o acesso a direitos e garantia de proteção especialmente às crianças, jovens e mulheres em situação de vulnerabilidade social.
Para conhecer os projetos, dividimos os participantes em 3 grupos. O primeiro grupo conheceu o Centro de Acolhida Recomeçar, que acolhe pessoas em situação de rua e oferece caminhos para autonomia, com a confecção de pães artesanais e do cultivo da terra. Já o segundo grupo, pôde conhecer o Centro Social Bairro do Carmo, localizado na comunidade quilombola Bairro do Carmo, em São Roque (SP), onde a SMF oferece atividades no contraturno escolar para crianças e momentos com as cuidadoras das famílias. Por fim, o terceiro grupo esteve no Centro Social Jardim Margarida, bem próximo do Centro Mariápolis Ginetta, para conhecerem o trabalho que realizam com crianças, adolescentes e as cuidadoras.
Para os participantes, esses momentos ajudaram a compreender, com concretude, o impacto positivo quando conectamos oportunidades e vulnerabilidades, visando o Bem Viver e o fortalecimento da dignidade humana.
Iniciativas edc Brasil pela Justiça Climática
Sem dúvidas, um tema que marcou a escola foi a Justiça Climática. E para falar sobre isso, convidamos profissionais e parceiros(as) de algumas das comunidades atingidas pela crise climática. Entre elas, estavam presentes a Odabá e as Empreendedoras da Restinga, ambas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Rio Grande do Sul
Dina Prates é gaúcha, empreendedora à frente da startup Ujamaatech, que desenvolve soluções em educação financeira, e representante da Odabá, uma Associação de Afroempreendedorismo com o propósito de fortalecer o empoderamento econômico da população negra por meio do empreendedorismo. A Odabá, assim como grande parte dos projetos e associações do Rio Grande do Sul, foi fortemente afetada pelas enchentes que assolaram o Estado.
“Passamos praticamente três meses com a nossa sede fechada. Durante esse período, não conseguimos realizar nenhuma atividade que nos gerasse renda ou retorno financeiro. Tivemos que negociar o aluguel e lidar com muitos desafios.”

A empreendedora compartilha que após todos os desafios vividos no período das enchentes, vieram os desafios pós-enchentes. “Entendemos que não bastava reconstruir o que havia antes. Precisamos imaginar outro futuro possível”. E foi nesse contexto que nasceu o Projeto AfroFuturo Empreendedor, uma iniciativa da Odabá, com apoio da edc Brasil, por meio do edital Supera. O objetivo do projeto é fomentar habilidades empreendedoras em comunidades vulneráveis, fortalecendo negócios atingidos pelas enchentes. Hoje, o projeto está concluindo sua primeira etapa e os frutos já são notados pela associação.
Já Vanessa Garcia é a atual presidente da Associação Empreendedoras da Restinga, um coletivo de mulheres da periferia de Porto Alegre que empreendem com coragem, fé e propósito. Técnica de enfermagem, empreendedora e idealizadora da Ferragem Outono, Vanessa contou que as enchentes foram um divisor de águas na sua vida.
“A Restinga se tornou um bairro de acolhimento, recebendo dezenas de famílias desalojadas. A dor de quem perdeu tudo passou a fazer parte do nosso cotidiano. […] Após a enchente, a parceria com a Economia de Comunhão se mostrou essencial. […] Nos escutaram, respeitam nossos saberes e nos ajudaram a reconstruir com dignidade.”

Foram mais de 419 famílias atendidas com cestas básicas, kits limpeza, cobertores, fraldas e kits escolares, além de ração para gato e cachorro, fralda geriátrica, água mineral, roupas e calçados. Segundo a presidente, hoje estão se mobilizando para fortalecer a economia local por meio da reestruturação das feiras locais e da Multi-feira Empreendedores da Restinga. “E a edc nos incentiva a pensar em um modelo econômico onde o lucro caminha ao lado da partilha, e onde empreender é também cuidar do outro e do planeta.”
Amazônia
Também tivemos a oportunidade de conhecer os jovens amazônidas Gabriel Teixeira, de Cametá do Ramos, e Ana Júlia Garcia, do Lago do Acajatuba.
Gabriel é um jovem agricultor e estudante de licenciatura em Matemática. Ele compartilhou um pouco dos desafios vividos pelas comunidades da Amazônia nos últimos anos de seca. “Até 2017 as famílias mantinham o trabalho na roça das 6h da manhã até o 12h. Com o sol e o aquecimento da terra em temperatura agradável, hoje o horário máximo é até as 10h. Com o sol e a terra muito quente, as pessoas não aguentam trabalhar por mais tempo.”

Para chegar até o local do curso, ele precisa percorrer 2h de moto – com a estrada em piores condições, o percurso pode durar 3h -, correndo risco de cair, e quando chega o verão a poeira sobe e o calor do sol dificulta ainda mais o trajeto. E como ele vive a Cultura edc? Com a participação no Programa de Superação da Vulnerabilidade Econômica da edc Brasil, o Supera, ele consegue permanecer na faculdade e abrir novos caminhos para a sua família e sua comunidade.
“Sou grato pela oportunidade de fazer parte do Supera e ter total apoio para realização de um dos meus sonhos. Muito obrigado!”.
Já Ana Júlia é uma jovem ribeirinha fotógrafa, que conheceu a edc pelo curso Amazônia Stock, desenvolvido pela edc Brasil e a Associação Zagaia, em 2023, com objetivo de levar formação básica de fotografia aos amazônidas. Um ano após o curso, com um celular e sua expertise, Ana Júlia registrou o trabalho realizado pelo presidente das comunidades sustentáveis da reserva do Rio Negro, Viceli Costa, e um grupo de comunitários, que transportou e distribuiu cestas básicas e filtros de água para 890 famílias de 17 comunidades, durante a forte seca. Todo o recurso para os materiais foi adquirido pela Ação Emergencial “Por uma Amazônia que tem sede”.

Por todo o seu trabalho, Ana recebeu o convite da Patrícia Fassa, conselheira Anpecom e empresária da produtora P2 Vídeos, para viver uma semana de estágio entre o Rio de Janeiro e São Paulo, em julho de 2025.
“A edc me deu oportunidade de dar voz não apenas ao meu sonho, mas também ao lugar de onde eu vim”.
Ideias, projetos e futuro

Após escutarem tantas histórias, conhecerem mais sobre a Justiça Climática, a Cultura edc, as 7 linhas de uma gestão com propósito e terem espaço para networking, no último dia da Escola Internacional (24), os jovens puderam subir ao palco e apresentar as ideias desenvolvidas ao longo da semana.
E encontramos desde o desenvolvimento de banheiros comunitários para pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade econômica, até a produção de moradias a partir de um material atípico…plástico! Esse momento nos ajudou também a compreender de que forma cada participante compreende o que é viver a cultura edc na prática do trabalho.
“A Economia de Comunhão é a possibilidade de se conectar com o social a partir do âmbito empresarial. Eu, como engenheiro multimídia, tenho o desafio de usar uma carreira, uma profissão muito industrial, para poder alcançar mais pessoas, comunicar a paz, gerar fraternidade e, claramente, gerar comunhão”, compartilha Daniel Floriano, jovem engenheiro da Colômbia, para a equipe edc Brasil.
Para Vanessa Gonçalves, de Salvador, na Bahia, a Escola foi uma verdadeira troca de saberes. “Hoje a edc para mim é sinônimo de esperança, de alegria, de saber que nossos sonhos e nossas vontades de ajudar o mundo podem ser concretas. Que nós podemos usar nossas mãos para fazer a diferença, porque temos o apoio para isso”.

Sarah Gomes, Assessora da Rede de Pesquisa e Iniciativas da edc Brasil, esteve à frente da organização do evento, e compartilha que a Escola foi pensada com cuidado para proporcionar as ferramentas necessárias para os jovens iniciarem ou darem continuidade às ações que, de fato, constroem um mundo mais justo, regenerativo e fraterno.
“Por isso, nos enche de esperança e felicidade ver não apenas as conexões e amizades estabelecidas, mas também as ideias concretas que cada um levou para a sua comunidade. Independentemente de qual parte do mundo estejam, eles sabem que existe uma comunidade global para apoiá-los…e isso não tem preço”, complementa.
A realização do evento foi uma parceria entre a edc Brasil, edc Internacional e ASCES Unita, com o apoio da Economia de Francisco e da Community Economy Work. Juntos, organizaram uma semana intensa de atividades, com painéis temáticos, workshops, diálogos com diferentes realidades e visitas aos projetos sociais da Sociedade Movimento dos Focolari (SMF).
A cada pessoa que contribuiu para tornar a Escola Internacional de Economia de Comunhão no Brasil uma realidade, o nosso mais profundo agradecimento. O impacto foi visível nos olhos e nas palavras dos jovens que, agora, carregam consigo não apenas um aprendizado, mas um compromisso.
E você, já se imaginou fazendo parte dessa experiência?
A próxima Escola Internacional de Economia de Comunhão acontecerá em 2027, na Argentina.
Esperamos por você!
