ECONOMIA REGENERATIVA. Entrevista com a ativista indígena Myrian Pereira Vasques do povo Tikuna sobre o impacto do desenvolvimento comunitário e de lideranças para a conservação da Amazônia.

A pauta conservação da Amazônia começou a recuperar seu fôlego nos últimos meses com o encerramento das COP ‘s 27 e 15 e do Fórum Econômico Mundial de Davos, tão aguardadas pelas comunidades ambientais, econômicas e ativistas de todo o mundo. 

Com a ênfase nos debates sobre as mudanças climáticas, na urgência de conservar a biodiversidade, combater o desmatamento e consequentemente reduzir os danos provocados pelo aquecimento global, os eventos colocaram luz sob uma reflexão necessária no cenário internacional: não é possível depender somente da união entre as federações e grandes agentes privados, é preciso uma ação comunitária escalável e imediata para garantir que as futuras gerações conheçam a grandeza da biodiversidade que ainda temos hoje. 

É com esta consciência que Myrian Pereira Vasques atua no município de Benjamin Constant no gigante Estado do Amazonas, com seu pequeno pedaço de terra viva. Em conversa com a Economia de Comunhão, Myrian relatou como participar do Projeto Amazônia Viva a ajudou a enxergar que uma economia regenerativa na Amazônia é possível e, acima de tudo, necessária. 

Agir pela vida

Atual estudante de Engenharia Agronômica com foco em Agroecologia e ativista indígena que trabalha pelo meio ambiente e pelas mulheres indígenas, Myrian nasceu no Alto Rio Solimões e foi ensinada desde cedo pela sua cultura ancestral que a terra tem vida e inteligência e que sua preservação e conservação não geram apenas uma bela vista da floresta de pé, mas principalmente subsídios para que a nossa vida permaneça girando. 

Grupo de Mulher Indígenas do Alto Rio Negro.

Grupo de Mulher Indígenas do Alto Rio Negro.

Desde pequena, por exemplo, sua avó a ensinou que as árvores se comunicam entre si e hoje a ciência entende que há uma conexão entre as árvores. Na universidade, quando dizia que já tinha esse conhecimento dado pela avó, os professores a perguntavam se a avó era cientista e ela sempre dizia: não, ela era indígena

“Aprendi que os frutos das árvores que conversamos são mais doces. É um conhecimento ancestral profundamente enraizado no meu povo e que mostra o quanto nós podemos ensinar ao mundo. Outro exemplo é o sobre o meu medo de cobra. Desde cedo minha avó me ensinou a sentir a presença e o cheiro da cobra a aproximadamente 50 metros de mim, assim consigo me proteger sem fazer mal à natureza.”

E este ensinamento foi passado para seu marido que é um homem africano e Engenheiro Industrial e seu pequeno filho de apenas 4 anos, que já sente o cheiro da cobra. 

Se manter a floresta em pé já era sua meta desde pequena, o grande desafio de Myrian era saber como agir para tal: até que encontrou o Projeto Amazônia Viva, convidada pela coordenadora Maria Clézia Pinto de Santana e indicada pelo Zagaia Amazônia. 

Sítio de Myriam Tikuna.

Sítio de Myrian Tikuna.

Conhecimentos coletivos

Promovido ao lado de parcerias que vivem pelas novas economias, o projeto convida lideranças comunitárias, empresariais e de fé a repensar aspectos socioambientais, com momentos de formação, intercâmbio de conhecimento e visitas em campo. Por meio dele, Myrian se tornou uma das primeiras indígenas a entrar no INPE de São Paulo e no INPA em Manaus.

Fotos dos participantes do Projeto Amazônia Viva.

Quando o projeto chegou, sua comunidade teve a oportunidade de organizar ainda mais as associações de base que hoje estão cada vez mais preocupadas com o meio ambiente e buscam entender meios para não destruir a floresta, como retirar o processo de queimada da rotina do campo.

“Hoje eu mostro aos agricultores com quem trabalho o impacto negativo da queimada que, além do impacto na camada de ozônio, faz crescer ervas daninhas e pragas e faz o solo ficar menos propício para o plantio. E como descobri? Na prática, fazendo um processo sem queima na minha terra e observando a riqueza que meu solo apresentava. Eu nasci para isso, nasci para ser ativista indígena ao lado de tantos e tantas que fazem a diferença.”

Ela reside hoje em sua terra em Benjamin Constant e atua com projetos ligados à conscientização da juventude, ao empoderamento de mulheres indígenas e ao resgate dos ensinamentos sobre os valores da fauna e da flora. Além disso, é lá onde dedica tempo e investimentos próprios para o plantio de árvores que dificilmente são encontradas devido ao desmatamento que assola, principalmente, a Amazônia. 

Myriam na floresta.

Pensar que daqui 10, 20 ou 30 anos suas próximas gerações não verão a riqueza natural da floresta é sinônimo de tristeza, por isso, seu sonho é mostrar que vale a pena cuidar e investir na terra e sua alegria é saber que não está sozinha nessa missão. 

Futuro de uma economia regenerativa e o desenvolvimento comunitário

Foi por meio do Amazônia Viva que a ativista também conheceu a Fazenda Bacuri, gerenciada por Hortência Osaqui, uma mulher que deu continuidade ao sonho do pai: desenvolver a região a partir da plantação de bacurizeiros. 

Ainda jovem, Hortência perdeu o pai e foi bombardeada por comentários negativos de pessoas que tentavam tirar dela o desejo de permanecer na fazenda e contribuir para a conservação daquela terra. Mas seu desejo falou mais alto e o resultado não poderia ser diferente: hoje ela será a primeira mulher do Brasil a exportar polpa de Bacuri para fora do país, além de receber universitários, pesquisadores e estrangeiros que querem conhecer sua terra. 

Fazenda Bacuri.

Participantes do Projeto na Fazenda Bacuri.

“A Fazenda Bacuri é um exemplo de que a preservação gera economia e Hortência é um exemplo de mulher empoderada: ela estudou Engenharia Agronômica no Brasil e decidiu por não trabalhar para grandes empresas, ela foi trabalhar para ela, e a partir do seu crescimento permitiu que a comunidade do entorno também recebesse destaque e oportunidades.” 

A partir dos trabalhos que desenvolve, Myrian procura resgatar a coletividade, trazer de volta sua cultura Tikuna, lutar contra o preconceito contra sua língua e mostrar que você não precisa ser indígena para respeitar as culturas indígenas. 

“Estamos construindo um impacto que vai beneficiar todo o mundo. Acredito que esse novo agir vai proporcionar novas inspirações de mudanças transformadoras que ajudarão efetivamente no combate às severas mudanças climáticas. Seremos um grande exemplo.”

Conheça mais sobre os resultados do Projeto Amazônia Viva clicando aqui. E conheça os impacto de uma economia regenerativa em meio a floresta.

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