Artigo publicado originalmente na Revista Cidade Nova, em janeiro de 2021
A ECONOMIA de Francisco tornou-se um movimento global, marcado pela pluralidade, pela criatividade e diversidade de atores, movimentos e organizações. Papa Francisco é uma liderança mobilizadora, fala para todos, na posição de quem lidera para servir a humanidade, a qual requer urgentemente um novo sistema cultural e econômico.  
Tudo começa em março de 2019, com uma convocatória dirigida a jovens, empreendedores, economistas e lideranças globais, para a realização de um pacto global para a construção de um sistema econômico mais justo, inclusivo e regenerativo, a qual se estruturou ao redor de dois eixos: propósito interior, que consiste em um chamado e uma vocação para mudar o mundo, independente de religiões e convicções políticas e mudanças sistêmicas em escala global. 
As bases desse convite encontram-se na Encíclica Laudato Si’ e no pensamento franciscano, que compreendem que a força motriz da mudança sistêmica mora no coração e na alma humana. Todas as pessoas são capazes de se conectar com suas almas, com a natureza e com o cosmos, e não é necessário ser cristão para isso. Todos são chamados a viver em comunhão global. 
Foi assim que Francisco de Assis viveu no seu tempo e era assim que se relacionava com o mundo. Quando ficou nu no interior de uma igreja e renunciou a herança do seu pai, desafiou de forma concreta os padrões culturais, econômicos e religiosos de sua época, propondo uma nova forma de gerar e compreender as verdadeiras riquezas da vida. Não se tratou de mera renúncia. Ele reiniciou sua vida e iniciou uma nova cultura, fundamentada na sobriedade e na comunhão com o mundo. 
O pensamento franciscano trouxe fortes contribuições ao pensamento econômico: gestão circular, cocriação, subsidiariedade, origem das caixas econômicas, autonomia pelo trabalho, liberdade criativa, mercado justo e regenerativo, consumo crítico e sóbrio, destinação social dos bens. 
Essa convocatória de março de 2019 foi suficiente para chacoalhar o mundo. Não bastasse isso, na conclusão do encontro global virtual, em novembro de 2020, papa Francisco retorna e convoca-nos a aprofundar seu primeiro chamado, a partir de três pilares: vocação, cultura e pacto, fixando os olhos na face do leproso, vivendo o encontro real e profundo com a dor da humanidade que sofre os efeitos da pobreza. 
O “outro” e o “pobre” devem ser termos substituídos por um “nós”, que reconstrói narrativas e políticas, que desafia, reinventa, incide, com felicidade e doação, abandonando as perplexidades e polarizações paralisantes, focado em ações possíveis e reais. Bergoglio sabe a quem fala e alerta: é necessário abandonar a distração provocada pela hostilização, pela desqualificação do diferente e pela ideologização. 
É preciso trabalhar a partir da metodologia do encontro: compartilhamento de visões, convicções e projetos, perspectivas poliédricas, a partir de um olhar fixo no que nos é comum: o desejo de mudança do sistema econômico, fundamentado na concepção de desenvolvimento humano integral, construindo soluções reais e possíveis. 
Para isso, é preciso vocação, para incidir concretamente na sociedade, com inteligência, empenho e convicção, construindo novas histórias e convicções, a partir da consciência de que somos todos responsáveis. Sujando as mãos, experimentando, concretizando, para chegar ao núcleo e ao coração do espaço no qual os temas e os paradigmas são elaborados e decididos. Palavras dele: “Ou nos envolvemos, ou a história passará por cima de nós”.
É preciso investir em cultura para criar as condições de mudança de estilos de vida e das estruturas consolidadas de poder. A ausência de cultura gera fragmentação na análise e no diagnóstico, que acaba por bloquear todas as soluções possíveis. A metodologia do encontro deve ser a principal tecnologia para essa construção: “iniciar processos — traçar caminhos, ampliar horizontes, criar pertenças”. 
A fome não é causada pela falta de recursos materiais, mas pela escassez de recursos sociais de natureza institucional. As políticas redistributivas e o terceiro setor são fundamentais, mas incapazes de alterarem sozinhos as estruturas que continuam a gerar a concentração e a escassez de recursos sociais. 
É preciso atuar em uma comunhão de esforços, focada em incidir sobre as estruturas que concentram poder e renda, redesenhando modelos econômicos com as pessoas vulnerabilizadas protagonizando esses processos: “Se não o fizerdes, nada fareis”. Isso implica uma transformação das nossas prioridades e do lugar do outro nas nossas políticas e na ordem social. 
Finalmente, implica um pacto generoso entre atores de mercado, academia, governos e sociedade, conectados com o sofrimento concreto do povo, para além de batalhas ideológicas, construindo condições de ousar e fomentar experiências de desenvolvimento, sustentabilidade e crescimento em que as pessoas, e especialmente os excluídos (também a irmã terra), deixem de ser uma presença meramente nominal para se tornarem protagonistas das suas vidas e do tecido social.
 
Maria Helena Fonseca Faller
 
A autora é mãe, empreendedora, advogada, professora universitária e presidente da Associação Nacional por uma Economia de Comunhão (Anpecom)
 

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