“Com essas empresas e outras atividades que vão nascer, temos que recolher a comunhão e distribuir, de modo que não haja ninguém pobre. Enquanto não atingirmos esse objetivo, não podemos descansar.”
A frase acima, de Chiara Lubich, foi dita logo na fundação da Economia de Comunhão (EdC) e, 28 anos depois, ainda tem o seu apelo entre os participantes da Conferência Nacional da EdC, que começou hoje (19) e vai até o dia 21, no centro de convenções Mariápolis Ginetta, em São Paulo.
Cerca de 70 participantes foram convidados, por meio de vídeos e explanações, a imergir nas raízes carismáticas da Economia de Comunhão nesse primeiro dia.
As raízes
E qual é essa raiz carismática? O carisma da unidade de Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Lubich compreendeu que a vivência prática do Evangelho trazia uma resposta às transformações sociais da época, profundamente marcada por uma dicotomia entre a desigualdade social e a liberdade econômica.
Um exemplo comum dessa história, compartilhada com os presentes, é a experiência do “Sapato número 42”, na qual Lubich, na busca por viver a frase “Tudo o que pedires em meu nome, eu o darei”, entrou em uma igreja e pediu em oração um sapato número 42 para um pobre que necessitava. Ao sair da igreja, uma senhora se aproximou de Lubich e entregou a ela um par de sapatos número 42 para homem.
A partir de experiências assim, Lubich entendeu que apenas a comunhão era capaz de minimizar a separação entre o social e o econômico. O amadurecimento desse novo paradigma na economia e na cultura, culminou com o lançamento da Economia de Comunhão, em 1991.
Os frutos
Com uma proposta no mínimo inovadora, de levar a comunhão para dentro das empresas, a EdC ganhou o mundo e não se restringiu aos limites cristãos. Tornou-se uma prática, uma cultura, que acompanha empresários e pessoas em meio ao cotidiano de qualquer empresa: metas, processos, pressão, fluxo de caixa, etc.
“É uma forma de pensar, de funcionar, de ‘como’ faço a gestão da minha empresa, como enxergo as pessoas. E aí, a experiência de amor vira uma cultura, e a cultura, entendida com todas as tradições, se torna uma racionalidade, a racionalidade da comunhão”, destacou Maria Helena Faller.
E é essa racionalidade da comunhão que permite à EdC, após 28 anos da sua fundação, ainda se deter em suas raízes carismáticas: na opção preferencial pelos pobres e na ética do trabalho.
Para exemplificar como essa racionalidade de comunhão se vive na prática, Rodolfo Leibholz, um dos primeiros empresários da EdC, subiu ao palco para compartilhar algumas experiências de vida. Com a sabedoria de quem sobreviveu a 10 choques econômicos e a muitos desafios, encorajou os participantes: “temos que viver a experiência da EdC hoje, onde estou, onde você está, Isso é vida. Se não vivemos, anunciamos uma utopia. Estamos fazendo uma incidência em um processo, hoje, que pode mudar tudo, no futuro”.
E também pode mudar tudo no presente. Uma das participantes da Conferência é Ana Giselle, uma jovem de 29 anos, de Fortaleza. Giselle tem um pequeno empreendimento para venda de lanches e tapioca na capital cearense e teve a oportunidade de participar de um dos projetos da EdC na cidade, o Profor, Programa de Fortalecimento de Negócios Inclusivos e de Comunhão, que oferece oficinas de empreendedorismo a jovens.
“Foi uma experiência magnífica, desenvolvi muitas ideias. Já tinha um propósito, mas com as aulas percebi que podia fazer além. Comecei a gostar de empreendedorismo”, disse.
A esperança
Para concluir o aprofundamento desse dia nas raízes da Economia de Comunhão, publicamos abaixo uma entrevista com Armando Tortelli.
Assim como Leibholz, Tortelli foi um dos primeiros empresários da EdC e compartilhou com a gente o que significou estar presente fundação e como enxerga o presente e o futuro da EdC.
ANPECOM: Armando, você esteve na fundação da Economia de Comunhão. O que permanece como essência da EdC?
Armando Tortelli: No momento certo, Chiara Lubich trouxe para nós uma grande resposta, que muitos de nós estávamos de fato esperando. Muitos já éramos empresários, muito comprometidos com o que fazíamos, e tínhamos consciência da nossa responsabilidade, mas nos faltava um norte, um rumo. E Chiara nos trouxe isso com muita clareza.
Ela nos mostrou que uma empresa pode ser de fato um grande meio para uma revolução social ao seu redor: tanto no interno quanto no externo. Não apenas nas questões materiais, como numa cultura baseada na fraternidade em todos os ambientes em que o empresário convive e interage.
Isso trouxe uma esperança muito grande pra nós: poderíamos construir uma nova economia, onde o ser humano é o centro de todas as nossas ações. Tanto na cultura dentro da empresa, como na influência externa, quanto concretamente para os pobres, que é a razão principal da Economia de Comunhão.
ANPECOM: Como você enxerga a EdC, hoje?
Passaram-se 28 anos e sinto que o mais interessante dessa experiência é que essa cultura realmente nasceu e está influenciando, hoje, muitas pessoas. E o mais interessante ainda é que sem aquele cunho de um grupo de pessoas sonhadoras, e sim como um patrimônio para a sociedade, crescendo, se alimentando de outras experiências e lado a lado com muitas outras iniciativas que trabalham para a fraternidade na economia.
ANPECOM: Qual é a grande força da EdC hoje e que a levará para frente?
O ponto alto, a meu ver, ao longo desses anos não foi apenas a fidelidade dos empresários. Mas o que me encanta é a esperança que essa experiência trouxe para os jovens. Mesmo no evento de hoje observamos essa força muito grande dos jovens. Diante dos jovens me sinto como alguém que posso aprender muito.
Os jovens estão apostando muito na proposta da EdC. Isso me parece não só a chancela de que Chiara Lubich trouxe uma inspiração para a humanidade, como também é algo que satisfaz as exigências mais profundas de diversas gerações.
Isso me traz uma esperança muito grande e o desejo de continuar. O entusiasmo de hoje é tão grande ou maior do que o entusiasmo de muitos anos atrás de continuar empreendendo porque é o modo que tenho de dar uma pequena contribuição para a sociedade e caminhar lado a lado com os jovens que estão chegando hoje.